03/02/2015

Inocente Demetria - 19º Capítulo


Mansão Jonas, Dallas, TX

Bom dia. — Disse um Joseph sorridente entrando na cozinha. Maria preparava o pequeno-almoço, ao mesmo tempo que cantarolava alguma música que ele desconhecia.
— Bom dia Joseph. Vejo que acordou bem-disposto hoje. — Comentou Maria sorrindo pra ele. Joseph aparentava estar bem-humorado como há muito não estava.
— Dormi bem. — Respondeu simplesmente.

— Isso me surpreende. Você chegou de viagem anteontem e ontem deve ter trabalhado que nem um louco. Não sei como você consegue. Nem jantou por ter chegado tão tarde ontem. — Lembrou. Joseph sorriu por breves segundos ao se lembrar de Demetria.
— Trabalhei até tarde e encomendei comida. Comi no escritório. — Respondeu.
Não era totalmente mentira. Antes de levar Demetria ao hotel, Joseph encomendara pizza pra que ambos se alimentassem enquando permaneciam em seu escritório. Tinham conversado sobre tudo um pouco e tinham beijado ainda mais. Uma parte dele não queria esquecer de como Demetria o tinha feito rir na noite anterior. Fazia anos que não se sentia tão relaxado e tão à vontade com alguém. Parecia... Magia. Ela o enfeitiçava.
— Espero que se tenha alimentado bem. — Disse visivelmente preocupada. Sabia como eram as refeições de Joseph quando este trabalhava até tarde.
— Comi pizza. Fiquei satisfeito, não se preocupe. — Disse despreocupado enquanto comia uma torrada. Viu Maria olhá-lo de boca aberta e ergueu uma sobrancelha intrigado.
— Você comeu pizza? Como assim? O que fizeram com o Joseph? — Perguntou fazendo-o revirar os olhos com um sorriso.
— O que tem eu comer pizza Maria?
— Tem que você odeia pizza! — Disse parando o que fazia.
— Eu não odeio pizza. — Negou confuso.
— Eu nunca o vi comer pizza. Nunca o vi gostar de pizza! Nem quando Elizabeth queria. E olha que tem anos que eu trabalho pra você! — Resmungou lançando-lhe um olhar mortal que o fez sorrir satisfeito.
— Eu gosto de pizza, apenas isso. — Disse encerrando o assunto. A verdade é que ele não era um grande apreciador de pizza, mas na noite anterior tinha sido o seu prato favorito.
— Você está comendo? — Perguntou Maria vendo-o comer mais uma torrada.
— Não posso comer a comida da minha própria casa que eu próprio paguei? — Perguntou divertido.
— Claro que pode, mas é que... Você não costuma tomar o café da manhã. Nem aos fins-de-semana.
— Hoje é sábado. Posso mudar a rotina. — Disse dando de ombros, olhando-a. — E não, eu não estou com fome porque fiz sexo na noite passada. — Esclareceu fazendo-a ruborizar.
— Eu não sei o que fizeram com você, mas podem continuar. — Disse sorrindo e voltando a fazer as panquecas que Elizabeth tanto gostava.
— Elizabeth ainda não acordou? — Perguntou Joseph depois de beber seu suco de laranja.
— Não.
— Vou acordá-la então. — Disse encaminhando-se à saída da cozinha.
Sabia que podia parecer diferente, sabia que se sentia diferente, mas não conseguia evitar. Ele sentia-se feliz com o que tinha. Sentia-se feliz por ter Demetria por perto. Não sabia no que aquilo poderia dar, mas queria tentar. Queria parar de ser egoísta e tentar ser feliz. Ainda estava dividido entre o certo e o errado, mas ele queria tentar. Com Demetria ele sabia que ia valer a pena.
Abrindo a porta lentamente, Joseph viu que o quarto da filha permanecia completamente escuro ainda. Não era própriamente cedo e o sol já brilhava no céu azul, mas as pressianas continuavam fechadas, impedindo que a luz entrasse. Encostou a porta depois de entrar e caminhou até à grande janela do quarto espaçoso. Abriu as cortinas e abriu a janela, deixando o sol e o vento fresco da manhã entrar. Olhou para onde a filha estava deitada na cama e sorriu ao ver que ela se enrolava ainda mais nos cobertores, abraçada ao urso de pelúca que ele lhe dera.
Aproximou-se e sentou-se na beirada da cama, devagar. Observou-a e sorriu orgulhoso ao ver o quão linda ela era, quanto mais crescia mais linda ficava. Sabia que lhe daria problemas no futuro. Elizabeth era muito dona de si mesma, esperta de mais para a idade que tinha.
— Princesa. — Chamou baixinho enquanto fazia carinho nos cabelos da filha.
Elizabeth não mexeu um músculo, apenas suspirou durante o sono. Estava tranquila, com a respiração regular e o rosto calmo, livre de qualquer expressão que mostrasse que ela estava tendo pesadelos.
— Elizabeth. — Chamou de novo, desta vez com um tom de voz um pouco mais alto.
— Papai? — Murmurou coçando os olhinhos pequenos. — É você?
— Sou eu sim pequena. Bom dia. — Disse sorrindo enquanto via que ela abria os olhos devagar, devido à claridade.
— Pensei que fosse Maria quem me vinha acordar. — Disse se sentando na cama, ainda com o urso debaixo do braço.
— Ela está fazendo o café da manhã. — Explicou sentindo que não estava sendo tão bem recebido como pensava que seria.
— Não vai trabalhar hoje? — Perguntou baixinho, olhando-o com os olhos cor de mel iguais aos dele.
— Não vou. — Respondeu suspirando. Tinha resolvido tirar o dia não só para descansar, como também para passar um tempo com a filha. Aparentemente ela é que não queria estar com ele.— Queria passar um tempo com você.
— Hum... Eu e a Maria ficámos de ir no parquinho. Eu queria pintar lá. — Disse mordendo o lábio sem olhá-lo. Estava timida ao falar com o próprio pai e Joseph amaldiçoou-se por isso. — Quer ir com a gente? — Perguntou agora mais animada, olhando-o.
Joseph encarou-a e suspirou cansado. Sabia que o parque favorito de Elizabeth ficava quase no centro da cidade, onde tinha muita gente que podia conhecê-lo. Ficaria exposto e logo ela também ficaria. Não podia.
— Eu não posso Elizabeth. — Disse com cuidado, vendo que o sorriso que ela tinha no rosto desaparecia.
— Mas você nunca foi no parquinho comigo. — Disse olhando-o. Joseph podia ver a tristeza nos olhos da filha e viu que eles começavam a ficar úmidos. Não, ela não podia chorar.
— Desculpa Beth. — Sussurrou sem conseguir explicar o que o impedia de ser um pai normal.
— Um menino da minha escola ontem disse que eu não tinha familia porque ninguém conhecia o meu pai e a minha mãe. — Disse baixinho, brincando com as orelhas do ursinho. — Todos os pais dos meus amigos vão com eles no parquinho e nos concursos de soletração. Você nunca foi comigo. — Fez uma pausa e Joseph viu uma lágrima escorrer no rosto dela. Elizabeth estava tão frágil e tão indefesa que ele só queria esquecer de tudo e abraçá-la. Queria protegê-la de todo o sofrimento e tristeza, mas sabia o que aquilo implicava e não podia. — Minha professora disse ao menino que ele estava errado, que não devia dizer aquilo porque havia crianças que não tinham familia e que eu tinha um pai que trabalhava muito para poder me dar tudo o que eu tenho. — Disse limpando as lágrimas com as costas da mão. — E ela tem razão. Por isso eu agradeço por você ser meu pai, mesmo não indo no parquinho e nos concursos de soletração.
Joseph respirou fundo e levou a mão à testa, massageando as temporas. Quando ele ia aprender a dar a volta a tudo aquilo sem magoar a própria filha? Quando ele ia aprender a ser pai e a merecer todo o carinho e amor que aquela garotinha tinha por ele? Sentia que toda a felicidade da noite passada tinha evaporado e que agora voltava a ser o homem amargo e frio que tinha sido por anos. Aquilo era um choque de realidade, mostrando que aquela viagem a Florença, as consequências dela, era algo bom, mas que não iria mudar sua vida. Ele ainda era o Joseph amargo. Ele ainda precisava ser.
— Me desculpa. — Era tudo o que ele conseguia dizer. Não conseguia encontrar palavras que explicassem a situação. Não conseguia organizar os pensamentos em sua cabeça. Parecia que um tornado tinha invadido sua mente e tudo tinha ficado fora do lugar. Elizabeth sempre fazia isso com ele. Sempre o deixava impotente, incapaz de pensar claramente ou tomar decisões.
— Tudo bem. — Disse dando um sorriso forçado, sem olhá-lo.
Elizabeth continuou brincando com o urso de pelúcia e Joseph percebeu que ela não falaria mais nada. Ele tinha estragado a oportunidade de passar o dia sendo pai e não conseguia concertar isso.
— Lembra que você tinha me pedido um presente quando viajei? — Perguntou quase num sussurro.
— Lembro sim. — Disse sem mostrar qualquer traço de felicidade no rosto.
— Já o tenho. — Falou lembrando que o retrato estava em seu quarto e que até ali ainda não tivera oportunidade de lho dar. — Quer vê-lo? — Perguntou esperançoso.
— Quem sabe mais tarde. — Disse se levantando da cama, deixando o urso cair no chão e calçando os chinelos de quarto. — Vou tomar o café da manhã.
Joseph esperava que ela apanhasse o urso que tanto gostava, mas ela não o fez. Deixou-o caído no chão assim como deixou o coração dele apertado de culpa e angústia. Ele estava sozinho no quarto e sentia-se sozinho ao saber que Elizabeth podia não amá-lo mais. Elizabeth podia se cansar dele, podia não querer mais saber dele, e tudo isso era sua culpa. Mas ele estava protegendo-a. Ele estava fazendo o que era correto certo? Antes tinha certeza de que sim, mas agora não tinha a certeza de mais nada.

The Joule, Dallas, TX

Demetria abriu os olhos, ainda meio adormecida. Não sabia que horas eram, mas sabia que tinha dormido mais do que costumava. Estava cansada dos dias anteriores e só queria um pouco de descanso longe da correria do trabalho. Agradeceu por ser sábado e acabou virando para o lado contrário, querendo dormir mais um pouco. Sentiu a cama afundar e virou-se assustada, deparando-se com Joseph deitado ao lado dela, encolhido como uma criança com medo.
— Joseph... Como você... — Começou confusa. — Esquece. — Disse já sabendo que ele sempre conseguia o que queria.
— Não me deixa. — Pediu olhando-a enquanto se encolhia ainda mais.
Demetria não entendeu aquela carência que Joseph demonstrava, mas não questionou. Aproximou-se dele e deixou que ele a abraçasse enquanto ela fazia carinho com seu cabelo e beijava sua mão carinhosamente. Sentiu-o suspirar ao mesmo tempo que relaxava e começou a ficar realmente preocupada. Nunca o tinha visto assim tão vulnerável. Nem quando ele contou a história de Alison. Nunca o vira tão indefeso e tão frágil. Ela não conhecia aquele Joseph.
— O que aconteceu? — Perguntou num tom baixo, beijando a testa dele em seguida.
Sentiu o corpo dele se contrair e percebeu que aquela era uma pergunta que ela não devia ter feito.
— Eu posso estar perdendo alguém que é muito importante pra mim. — Sussurrou apertando-a mais contra ele. — Alguém que eu amo.
Demetria ouviu as palavras dele e ficou confusa. De quem ele estava falando? De alguma outra mulher? Será que ele estava apaixonado por outra mulher? Alison? Não. Nada disso fazia sentido. Se ele estivesse apaixonado por outra mulher ele não a teria convidado para um encontro. Lembrou-se então do pedido dele em Florença. A ajuda que ele pediu para o presente daquela garotinha. Ele parecia determinado, preocupado e até ansioso para acertar no presente correto. Ele tinha uma fotografia da princezinha na carteira. Era dela que ele estava falando? Quem era ela? Uma sobrinha?
— Está falando da princesinha da foto? — Perguntou entrelaçando os dedos com os dele enquanto roçava a ponta do nariz na sua testa, sentindo o perfume masculino. Sentiu que Joseph ficou nervoso com a pergunta e logo tentou acalmá-lo. — Não precisa responder se não quiser. — Demetria não se queria intrometer na vida dele, mas estava preocupada.
Joseph ficou nervoso com a pergunta de Demetria. Não estava à espera que ela se fosse lembrar da foto de Elizabeth e agora não sabia o que dizer. Sabia que a estava preocupando e não sabia se devia contar a verdade. Se contasse ela iria julgá-lo? Provavelmente. Toda a gente o fazia. Maria, Jason... Todos o julgavam por suas atitudes em relação a Beth e tinham razão. Ela ia julgá-lo também. Ele estava preparado pra contar a verdade pra ela? Sabia que não estava. E também sabia que ela iria fugir dele. Qualquer uma no lugar dela iria fazê-lo.
— Sim. — Sussurrou ainda tenso.
Demetria suspirou quando ele respondeu e beijou a testa dele mais uma vez, vendo-o fechar os olhos com o carinho. Sentia que ele relaxava e percebeu que não deveria fazer mais perguntas. Alguma coisa lhe dizia que aquele sim já tinha sido um grande passo pra ele e ficaria por ali.
— Vai tudo ficar bem. — Falou fazendo com que ele a olhasse. — O quer que seja que tenha acontecido com essa princesinha e com você, vai se resolver. — Disse acariciando a bochecha dele com o polegar.
Joseph sorriu para ela e fechou os olhos ao sentir os lábios dela num selinho carinhoso, sem malicia. Ela entendia-o mesmo sem saber aquela parte da sua vida. Ela estava lá pra ele quando ele mais precisava. Ele estava no lugar certo.
— Obrigado. — Disse olhando-a nos olhos. Sentia o coração apertar à medida que ela fazia mais carinho nele. Ele merecia aquilo?
— Pode sempre contar comigo. — Disse ao ver que os olhos dele ficavam marejados. Deu-lhe um sorriso tranquilizador e percebeu que ele estava sofrendo como ela nunca tinha visto.
— Não me deixa. — Sussurrou de novo, deixando as lágrimas da culpa e angústia escorrerem pelo rosto. Ele estava sendo ele mesmo com ela. Ele tinha essa liberdade. Demetria entendeu aquilo como um pedido de ajuda e abraçou-o mais forte.
— Eu não vou a lugar nenhum Joseph.
Joseph sabia que não merecia tudo aquilo, mas era onde ele queria estar. Nos braços dela. Jason não lhe tinha dado algo pra lhe lembrar de Alison e dos traumas do passado. Não, agora ele entendia. Jason tinha-lhe dado Demetria para salvá-lo dos fantasmas que o perseguiam.

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