Mansão Jonas, Dallas, TX
— Bom dia. — Disse um Joseph sorridente entrando na cozinha. Maria
preparava o pequeno-almoço, ao mesmo tempo que cantarolava alguma música que
ele desconhecia.
— Bom dia
Joseph. Vejo que acordou bem-disposto hoje. — Comentou Maria sorrindo pra ele. Joseph
aparentava estar bem-humorado como há muito não estava.
— Dormi bem. — Respondeu
simplesmente.
— Isso me
surpreende. Você chegou de viagem anteontem e ontem deve ter trabalhado que nem
um louco. Não sei como você consegue. Nem jantou por ter chegado tão tarde
ontem. — Lembrou. Joseph sorriu por breves segundos ao se lembrar de Demetria.
— Trabalhei até
tarde e encomendei comida. Comi no escritório. — Respondeu.
Não era
totalmente mentira. Antes de levar Demetria ao hotel, Joseph encomendara pizza
pra que ambos se alimentassem enquando permaneciam em seu escritório. Tinham
conversado sobre tudo um pouco e tinham beijado ainda mais. Uma parte dele não
queria esquecer de como Demetria o tinha feito rir na noite anterior. Fazia
anos que não se sentia tão relaxado e tão à vontade com alguém. Parecia... Magia.
Ela o enfeitiçava.
— Espero que se
tenha alimentado bem. — Disse visivelmente preocupada. Sabia como eram as
refeições de Joseph quando este trabalhava até tarde.
— Comi pizza.
Fiquei satisfeito, não se preocupe. — Disse despreocupado enquanto comia uma
torrada. Viu Maria olhá-lo de boca aberta e ergueu uma sobrancelha intrigado.
— Você comeu
pizza? Como assim? O que fizeram com o Joseph? — Perguntou fazendo-o revirar os
olhos com um sorriso.
— O que tem eu
comer pizza Maria?
— Tem que você
odeia pizza! — Disse parando o que fazia.
— Eu não odeio
pizza. — Negou confuso.
— Eu nunca o vi
comer pizza. Nunca o vi gostar de pizza! Nem quando Elizabeth queria. E olha
que tem anos que eu trabalho pra você! — Resmungou lançando-lhe um olhar mortal
que o fez sorrir satisfeito.
— Eu gosto de
pizza, apenas isso. — Disse encerrando o assunto. A verdade é que ele não era
um grande apreciador de pizza, mas na noite anterior tinha sido o seu prato
favorito.
— Você está comendo?
— Perguntou Maria vendo-o comer mais uma torrada.
— Não posso
comer a comida da minha própria casa que eu próprio paguei? — Perguntou
divertido.
— Claro que
pode, mas é que... Você não costuma tomar o café da manhã. Nem aos
fins-de-semana.
— Hoje é sábado.
Posso mudar a rotina. — Disse dando de ombros, olhando-a. — E não, eu não estou
com fome porque fiz sexo na noite passada. — Esclareceu fazendo-a ruborizar.
— Eu não sei o
que fizeram com você, mas podem continuar. — Disse sorrindo e voltando a fazer
as panquecas que Elizabeth tanto gostava.
— Elizabeth
ainda não acordou? — Perguntou Joseph depois de beber seu suco de laranja.
— Não.
— Vou acordá-la
então. — Disse encaminhando-se à saída da cozinha.
Sabia que podia
parecer diferente, sabia que se sentia diferente, mas não conseguia evitar. Ele
sentia-se feliz com o que tinha. Sentia-se feliz por ter Demetria por perto.
Não sabia no que aquilo poderia dar, mas queria tentar. Queria parar de ser
egoísta e tentar ser feliz. Ainda estava dividido entre o certo e o errado, mas
ele queria tentar. Com Demetria ele sabia que ia valer a pena.
Abrindo a porta
lentamente, Joseph viu que o quarto da filha permanecia completamente escuro
ainda. Não era própriamente cedo e o sol já brilhava no céu azul, mas as
pressianas continuavam fechadas, impedindo que a luz entrasse. Encostou a porta
depois de entrar e caminhou até à grande janela do quarto espaçoso. Abriu as
cortinas e abriu a janela, deixando o sol e o vento fresco da manhã entrar.
Olhou para onde a filha estava deitada na cama e sorriu ao ver que ela se
enrolava ainda mais nos cobertores, abraçada ao urso de pelúca que ele lhe
dera.
Aproximou-se e
sentou-se na beirada da cama, devagar. Observou-a e sorriu orgulhoso ao ver o
quão linda ela era, quanto mais crescia mais linda ficava. Sabia que lhe daria
problemas no futuro. Elizabeth era muito dona de si mesma, esperta de mais para
a idade que tinha.
— Princesa. — Chamou
baixinho enquanto fazia carinho nos cabelos da filha.
Elizabeth não
mexeu um músculo, apenas suspirou durante o sono. Estava tranquila, com a
respiração regular e o rosto calmo, livre de qualquer expressão que mostrasse
que ela estava tendo pesadelos.
— Elizabeth. — Chamou
de novo, desta vez com um tom de voz um pouco mais alto.
— Papai? — Murmurou
coçando os olhinhos pequenos. — É você?
— Sou eu sim
pequena. Bom dia. — Disse sorrindo enquanto via que ela abria os olhos devagar,
devido à claridade.
— Pensei que
fosse Maria quem me vinha acordar. — Disse se sentando na cama, ainda com o
urso debaixo do braço.
— Ela está
fazendo o café da manhã. — Explicou sentindo que não estava sendo tão bem
recebido como pensava que seria.
— Não vai
trabalhar hoje? — Perguntou baixinho, olhando-o com os olhos cor de mel iguais
aos dele.
— Não vou. — Respondeu
suspirando. Tinha resolvido tirar o dia não só para descansar, como também para
passar um tempo com a filha. Aparentemente ela é que não queria estar com ele.—
Queria passar um tempo com você.
— Hum... Eu e a
Maria ficámos de ir no parquinho. Eu queria pintar lá. — Disse mordendo o lábio
sem olhá-lo. Estava timida ao falar com o próprio pai e Joseph amaldiçoou-se
por isso. — Quer ir com a gente? — Perguntou agora mais animada, olhando-o.
Joseph
encarou-a e suspirou cansado. Sabia que o parque favorito de Elizabeth ficava
quase no centro da cidade, onde tinha muita gente que podia conhecê-lo. Ficaria
exposto e logo ela também ficaria. Não podia.
— Eu não posso
Elizabeth. — Disse com cuidado, vendo que o sorriso que ela tinha no rosto
desaparecia.
— Mas você
nunca foi no parquinho comigo. — Disse olhando-o. Joseph podia ver a tristeza
nos olhos da filha e viu que eles começavam a ficar úmidos. Não, ela não podia
chorar.
— Desculpa
Beth. — Sussurrou sem conseguir explicar o que o impedia de ser um pai normal.
— Um menino da
minha escola ontem disse que eu não tinha familia porque ninguém conhecia o meu
pai e a minha mãe. — Disse baixinho, brincando com as orelhas do ursinho. — Todos
os pais dos meus amigos vão com eles no parquinho e nos concursos de
soletração. Você nunca foi comigo. — Fez uma pausa e Joseph viu uma lágrima
escorrer no rosto dela. Elizabeth estava tão frágil e tão indefesa que ele só
queria esquecer de tudo e abraçá-la. Queria protegê-la de todo o sofrimento e tristeza,
mas sabia o que aquilo implicava e não podia. — Minha professora disse ao
menino que ele estava errado, que não devia dizer aquilo porque havia crianças
que não tinham familia e que eu tinha um pai que trabalhava muito para poder me
dar tudo o que eu tenho. — Disse limpando as lágrimas com as costas da mão. — E
ela tem razão. Por isso eu agradeço por você ser meu pai, mesmo não indo no
parquinho e nos concursos de soletração.
Joseph respirou
fundo e levou a mão à testa, massageando as temporas. Quando ele ia aprender a
dar a volta a tudo aquilo sem magoar a própria filha? Quando ele ia aprender a
ser pai e a merecer todo o carinho e amor que aquela garotinha tinha por ele?
Sentia que toda a felicidade da noite passada tinha evaporado e que agora voltava
a ser o homem amargo e frio que tinha sido por anos. Aquilo era um choque de
realidade, mostrando que aquela viagem a Florença, as consequências dela, era
algo bom, mas que não iria mudar sua vida. Ele ainda era o Joseph amargo. Ele
ainda precisava ser.
— Me desculpa.
— Era tudo o que ele conseguia dizer. Não conseguia encontrar palavras que
explicassem a situação. Não conseguia organizar os pensamentos em sua cabeça.
Parecia que um tornado tinha invadido sua mente e tudo tinha ficado fora do
lugar. Elizabeth sempre fazia isso com ele. Sempre o deixava impotente, incapaz
de pensar claramente ou tomar decisões.
— Tudo bem. — Disse
dando um sorriso forçado, sem olhá-lo.
Elizabeth
continuou brincando com o urso de pelúcia e Joseph percebeu que ela não falaria
mais nada. Ele tinha estragado a oportunidade de passar o dia sendo pai e não
conseguia concertar isso.
— Lembra que
você tinha me pedido um presente quando viajei? — Perguntou quase num sussurro.
— Lembro sim. —
Disse sem mostrar qualquer traço de felicidade no rosto.
— Já o tenho. —
Falou lembrando que o retrato estava em seu quarto e que até ali ainda não
tivera oportunidade de lho dar. — Quer vê-lo? — Perguntou esperançoso.
— Quem sabe mais
tarde. — Disse se levantando da cama, deixando o urso cair no chão e calçando
os chinelos de quarto. — Vou tomar o café da manhã.
Joseph esperava
que ela apanhasse o urso que tanto gostava, mas ela não o fez. Deixou-o caído
no chão assim como deixou o coração dele apertado de culpa e angústia. Ele estava
sozinho no quarto e sentia-se sozinho ao saber que Elizabeth podia não amá-lo
mais. Elizabeth podia se cansar dele, podia não querer mais saber dele, e tudo isso
era sua culpa. Mas ele estava protegendo-a. Ele estava fazendo o que era
correto certo? Antes tinha certeza de que sim, mas agora não tinha a certeza de
mais nada.
The Joule, Dallas, TX
Demetria abriu
os olhos, ainda meio adormecida. Não sabia que horas eram, mas sabia que tinha
dormido mais do que costumava. Estava cansada dos dias anteriores e só queria
um pouco de descanso longe da correria do trabalho. Agradeceu por ser sábado e
acabou virando para o lado contrário, querendo dormir mais um pouco. Sentiu a
cama afundar e virou-se assustada, deparando-se com Joseph deitado ao lado
dela, encolhido como uma criança com medo.
— Joseph... Como
você... — Começou confusa. — Esquece. — Disse já sabendo que ele sempre
conseguia o que queria.
— Não me deixa.
— Pediu olhando-a enquanto se encolhia ainda mais.
Demetria não
entendeu aquela carência que Joseph demonstrava, mas não questionou. Aproximou-se
dele e deixou que ele a abraçasse enquanto ela fazia carinho com seu cabelo e
beijava sua mão carinhosamente. Sentiu-o suspirar ao mesmo tempo que relaxava e
começou a ficar realmente preocupada. Nunca o tinha visto assim tão vulnerável.
Nem quando ele contou a história de Alison. Nunca o vira tão indefeso e tão
frágil. Ela não conhecia aquele Joseph.
— O que
aconteceu? — Perguntou num tom baixo, beijando a testa dele em seguida.
Sentiu o corpo
dele se contrair e percebeu que aquela era uma pergunta que ela não devia ter
feito.
— Eu posso
estar perdendo alguém que é muito importante pra mim. — Sussurrou apertando-a
mais contra ele. — Alguém que eu amo.
Demetria ouviu
as palavras dele e ficou confusa. De quem ele estava falando? De alguma outra
mulher? Será que ele estava apaixonado por outra mulher? Alison? Não. Nada
disso fazia sentido. Se ele estivesse apaixonado por outra mulher ele não a
teria convidado para um encontro. Lembrou-se então do pedido dele em Florença.
A ajuda que ele pediu para o presente daquela garotinha. Ele parecia
determinado, preocupado e até ansioso para acertar no presente correto. Ele
tinha uma fotografia da princezinha na carteira. Era dela que ele estava
falando? Quem era ela? Uma sobrinha?
— Está falando
da princesinha da foto? — Perguntou entrelaçando os dedos com os dele enquanto
roçava a ponta do nariz na sua testa, sentindo o perfume masculino. Sentiu que
Joseph ficou nervoso com a pergunta e logo tentou acalmá-lo. — Não precisa
responder se não quiser. — Demetria não se queria intrometer na vida dele, mas
estava preocupada.
Joseph ficou
nervoso com a pergunta de Demetria. Não estava à espera que ela se fosse
lembrar da foto de Elizabeth e agora não sabia o que dizer. Sabia que a estava
preocupando e não sabia se devia contar a verdade. Se contasse ela iria
julgá-lo? Provavelmente. Toda a gente o fazia. Maria, Jason... Todos o julgavam
por suas atitudes em relação a Beth e tinham razão. Ela ia julgá-lo também. Ele
estava preparado pra contar a verdade pra ela? Sabia que não estava. E também
sabia que ela iria fugir dele. Qualquer uma no lugar dela iria fazê-lo.
— Sim. — Sussurrou
ainda tenso.
Demetria
suspirou quando ele respondeu e beijou a testa dele mais uma vez, vendo-o fechar
os olhos com o carinho. Sentia que ele relaxava e percebeu que não deveria
fazer mais perguntas. Alguma coisa lhe dizia que aquele sim já tinha sido um
grande passo pra ele e ficaria por ali.
— Vai tudo
ficar bem. — Falou fazendo com que ele a olhasse. — O quer que seja que tenha
acontecido com essa princesinha e com você, vai se resolver. — Disse
acariciando a bochecha dele com o polegar.
Joseph sorriu para
ela e fechou os olhos ao sentir os lábios dela num selinho carinhoso, sem
malicia. Ela entendia-o mesmo sem saber aquela parte da sua vida. Ela estava lá
pra ele quando ele mais precisava. Ele estava no lugar certo.
— Obrigado. — Disse
olhando-a nos olhos. Sentia o coração apertar à medida que ela fazia mais
carinho nele. Ele merecia aquilo?
— Pode sempre
contar comigo. — Disse ao ver que os olhos dele ficavam marejados. Deu-lhe um
sorriso tranquilizador e percebeu que ele estava sofrendo como ela nunca tinha
visto.
— Não me deixa.
— Sussurrou de novo, deixando as lágrimas da culpa e angústia escorrerem pelo
rosto. Ele estava sendo ele mesmo com ela. Ele tinha essa liberdade. Demetria
entendeu aquilo como um pedido de ajuda e abraçou-o mais forte.
— Eu não vou a
lugar nenhum Joseph.
Joseph sabia
que não merecia tudo aquilo, mas era onde ele queria estar. Nos braços dela.
Jason não lhe tinha dado algo pra lhe lembrar de Alison e dos traumas do
passado. Não, agora ele entendia. Jason tinha-lhe dado Demetria para salvá-lo
dos fantasmas que o perseguiam.
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