16/01/2015

Inocente Demetria - 1º Capítulo


Princeton Shopping Center

— Estou-te dizendo Selena, aquele homem era muito sinistro. — Falou enquanto sentava de frente para Selena e pousava o tabuleiro de comida na mesa.
— Era gostoso? — Perguntou sorrindo maliciosa.
— Qual foi a parte do 'ser sinistro', que você não entendeu? — Repreendeu. — Ele era… Esquisito. — Não acreditava que estava contando isso para sua melhor amiga. Sabia que Selena não a deixaria sossegada enquanto não desse os detalhes de como aquele homem tinha aparecido.

Demetria não conseguira esquecê-lo desde aquela quarta-feira. Aquele homem era demasiado misterioso, e a pior coisa em Demetria? Ela sempre gostava de mistérios que não devia sequer tentar desvendar.
— Tudo bem, mas você viu-o num funeral, o que você esperava vindo de um cemitério? Uma banca de sorvete e casais apaixonados? — Deu uma mordida no hambúrguer e olhou pra Demetria esperando uma resposta.
— Eu sei que isso devia ser normal por ser em um funeral, mas ele não parava de me encarar. Parecia até que estava... Me estudando. Sei lá. Foi muito estranho. — Deu de ombros.
Lembrava-se muito bem do olhar que percorreu seu corpo naquele cemitério. Não gostou nada do que via nele. Apenas mais um homem a subestimando como todos os outros.
— Já pensou que o homem podia estar interessado em você?
— Parecia que ele queria ver através de mim! — Disse incrédula. Viu o sorriso divertido no rosto de Selena e suspirou. — Que tipo de homem que está interessado em você faz isso antes do primeiro encontro? — Perguntou agora divertida. Tinha ouvido muitas histórias da sua melhor amiga ao longo dos anos para saber como contornar a situação.
— Verdade. — Respondeu fazendo uma careta. — Normalmente ele quer mais do que ver através de você, ele quer logo estar dentro de você. — Comentou como se fosse a coisa mais normal do mundo.
— Selena, posso apreciar meu hambúrguer sem molho de sacanagem, por favor? — Questionou séria.
— Tudo bem senhorita puritana. — Falou rindo. Selena sabia lidar com Demetria melhor que ninguém. Compreendia os traumas que ela obtera desde que tudo acontecera. Só não compreendia por que ela não tentava superá-los. — Mas ainda acho que ele está, sim, interessado em você. Ou então é você que está confundindo e ele estava encarando outra pessoa, afinal, era um funeral, devia ter várias pessoas lá.
— Na verdade tinha muitas. Tinha até jornalistas e policia. — Disse pensativa. Não sabia o porquê da presença dos jornalistas e policiais, mas também não tentaria saber.
— Você está brincando, né? Como eu fui perder isso? — Perguntou incrédula. — Mas espera aí, isso não está certo. O que jornalistas e policiais faziam no funeral do seu avô? Estava havendo um funeral de uma celebridade ao lado?
— Não. Aquele era o único funeral no cemitério. — Suspirou. Não queria se envolver nesse assunto de jornalistas e policia. Não precisava disso em sua vida.
— Então o que eles lá faziam?
— Não faço ideia do que possa ser. E sinceramente, não me quero envolver Selena. — Disse tentando acabar com o assunto.
— Seu avô era alguém importante no mundo da economia ou algo assim? — Insistiu. Selena também não achava normal haver imprensa e policia no funeral de Jason. Pelo pouco que sabia sobre o avô de Demi ele tinha uma pequena fazenda e alguns terrenos em Dallas, onde sempre viveu.
— Meu avô? — Perguntou com um tom de descrença na voz. — Claro que não Selena. Ele sempre foi muito dedicado àquela fazenda lá no Texas. Passava o tempo a viajar cuidando de vendas de terrenos. Bem, acho que isso contribuiu para a economia do nosso país, de alguma forma.
— Se você diz. — Deu em ombros. — Talvez esse homem sinistro que você falou seja alguém importante e conhecesse seu avô dessas vendas. Talvez fosse por ele que os jornalistas lá estavam. — Supôs. Ela não iria desistir enquanto não obtivesse mais informação sobre esse homem misterioso.
Demetria precisava de um namorado e Selena sabia que esse homem ainda ia ser assunto de muitas conversas entre elas. Demetria nunca falava de homens, ou quase nunca.
— É uma opção. — disse claramente querendo mudar de assunto. Selena suspirou e fitou o rosto abalado da amiga.
— Me desculpa não ter ido ao funeral com você. Estou me sentindo horrível por não ter podido ir. — Disse sincera.
— Ei! Não se preocupa. Você não podia viajar até Dallas para ir a um funeral, tinha que trabalhar. Não é fácil arranjar trabalho no mundo da moda e você acabou de começar a sua carreira de estilista. Não pode perder o foco.
— Demetria, era seu avô. — Disse óbvia. Demetria suspirou.
— Eu sei. Mas nós não éramos tão próximos como você pode pensar. Não o via desde que era pequena. Minha mãe sempre dizia que ele viajava muito e que por isso não aparecia no Natal ou aniversários. Ou qualquer outra data do ano. — Selena conseguiu perceber o remorso que Demetria sentia. Ela não era boa a esconder os sentimentos, as pessoas é que a deixavam pensar que sim. Muitas delas por não se importarem, outras por simplesmente respeitarem. Quando Demetria decidia algo, ela tinha que o fazer. — Ele realmente não se importava tanto assim.
— Mas você sim. Tanto se importava com ele que foi ao funeral. — Disse séria. Sabia como contradizer Demetria. Sabia como fazê-la admitir seus verdadeiros sentimentos. Muitos anos de amizade são valorizados para sempre. — Foi muita gente que você conhecia? — Perguntou tentando acabar com a tensão que se formara entre elas.
— Meu pai estava lá. — Disse simples fazendo Selena arregalar os olhos e engasgar com o suco que estava bebendo. — Não falámos um com o outro se é isso que quer saber. — Adiantou já imaginando o que se estaria passando na cabeça da amiga. Desde que tinha saído de casa que não falava com o pai. Este não a procurara desde então e não seria ela que iria até ele. Nem que estivesse morrendo.
— Quanto tempo mais vai ficar sem falar com seu pai? — Selena sabia que esse era um assunto delicado para Demetria. Desde que tinham ido viver juntas que se lembrava de ouvir Demetria chorando noites inteiras. Até que da noite para o dia isso acabou.
— A vida toda se precisar. — Deu de ombros num claro 'não importa'. Não mudaria sua opinião. Nem faria nada para o perdoar. Não até que ele mostrasse ser merecedor do seu perdão.
— Você nunca vai perdoá-lo, pois não?
— Talvez um dia depois da morte.
Selena não disse mais nada sobre o assunto. Sabia que seria difícil fazer a amiga mudar de ideias. Enquanto ela estivesse magoada daquele jeito, nada ia mudar. E sabia que não era fácil perdoar. Não o que acontecera. Tudo aconteceu como um tsunami na vida de Demetria, e os estragos tinham sido enormes.
— Hum, mudando de assunto. Você conseguiu aquele emprego no qual se candidatou? — Era clara a animação na voz de Selena. Fazia meses que Demetria estava tentando encontrar um emprego na área do qual se formou, Gestão Administrativa.
— Não. Pelo menos até agora não me deram resposta em nenhumas das entrevistas a que fui. Nunca pensei que arranjar emprego fosse assim tão difícil Selena. — Demetria suspirou. Andava à meses tentando encontrar algo que fosse seu objetivo e ainda não encontrara nada.
— Você vai conseguir, vai ver. Você foi a melhor qualificada do seu curso. Tem tudo pra ser uma gestora de sucesso. — Sorriu confiante. Ela sabia como era difícil. Passara pelo mesmo uns meses atrás.
— Tem razão. — Falou sorrindo. — Tenho que ser confiante.
— Assim que se fala. Agora me fala você. O gato do cemitério é gato mesmo ou é rato? — Demetria revirou os olhos. Sabia que não podia escapar do interrogatório da amiga e repreendeu-se mentalmente por lhe ter contado algo tão… Ridículo.
— É gato. — Disse se repreendendo novamente por admiti-lo em voz alta.
— Só isso? É gato e pronto? — Perguntou incrédula. — Conta mais Demetria Lovato! — Demetria não compreendia porque Selena e todas as outras raparigas ficavam batendo palminhas quando o assunto era rapazes. Era tão imaturo.
— O que você quer que eu diga mais hein? Ele estava a metros de distância.
— E o que isso tem haver? Meu amor, eu quero saber tudo. — Demetria suspirou quando Selena começou a enumerar pelos dedos. — Raça, penugem, olhos, orelhas, bigodes, cauda, tamanho da pata e até se faz 'ronron' ou se faz 'miau miau'. — Demetria riu das loucuras da amiga enquanto ela continuava a falar despreocupadamente.
— Ah Selena, ele estava muito sério. Parecia ser do tipo arrogante e aparentava ser bem mais velho. — Disse se rendendo ao interrogatório da amiga. Já que não podia escapar da tortura, ao menos que acabasse logo.
— Velho novo ou velho velho?
— Era uma daquelas cobras que deixa charme por onde passa. — Falou dando de ombros.
Cobra Demetria? Ele não é assim tão mau, tenho a certeza. Mas isso significa que é um gostoso sedutor. — Falou mordendo o lábio inferior. Demetria já sabia que Selena estava tendo pensamentos impróprios. Resolveu ignorar.
— É impossível você saber que tipo de homem ele é. Nunca o viu.
— O que ele vestia? — Perguntou ignorando o comentário. Confusão era o que mostrava a expressão de Demetria.
— Para quê você quer saber o que ele vestia?
— Para ter a certeza do tipo de homem que ele é. — Falou como se fosse obvio. Demetria riu.
— Como você vai fazer isso? — Desafiou.
— Apenas diga o que ele vestia e como era e aprenda. — Demetria suspirou derrotada. Se havia alguém neste mundo que entendia perfeitamente de moda e homens, esse alguém era Selena. Totalmente o contrário dela.
— Ele tinha um corte de cabelo curto e moderno. Eu acho. — Começou. Seria melhor colaborar se queria que terminassem aquele almoço.
— À macho? — Perguntou erguendo uma sobrancelha. Demetria apenas assentiu rindo.
Usava um smoking preto...
— De grife? Qual? — Interrompeu excitada.
— Você sabe que eu não entendo nada disso. Mas acho que era Calvin Klein. Parecia um terno moderno e não aqueles clássicos que você vê nos velhos de grandes empresas. Você sempre fala que os melhores smokings eram de Calvin Klein por serem modernos e essas coisas, então eu acho que era sim.
— Era como nos meus desenhos? — Demetria apenas assentiu. — Calvin Klein. Ótima escolha. Continua. — Ordenou. Demetria não entendia o sorriso no rosto da amiga, mas também não sabia se queria entender.
— Usava sapato preto...
— De verniz? — Interrompeu de novo. Revirou os olhos vendo a confusão no rosto da amiga. — Era aquele tipo de sapato que brilhava na luz?
— Bem, não havia muito sol, mas sim era.
— Tenho a certeza que era um Marc Jacobs. — Falou sorrindo boba. Selena conseguia ser muito sonhadora quando a conversa era moda.
— Como sabe tudo isso se nem viu?
— Bom gosto meu amor. Agora contínua vá. — Demetria suspirou de novo. Definitivamente não entendia nada de moda.
— Usava uma casaco grande, grosso e preto. Daqueles que vão até ao joelho.
— Hum. Demetria o seu gato é um gato daqueles.
— O quê? Você enlouqueceu de vez! Ele não é meu gato coisa nenhuma. Não começa Selena!
— Estou falando sério. Toda a roupa que você descreveu só prova que ele tem bom gosto. Entende de moda e sabe o que vestir nas ocasiões certas. Pelo corte de cabelo que você mencionou, aposto que ele é um sedutor romântico. Daquele tipo de romances italianos. — Suspirou. — Aposto que é ótimo na cama. O sexo deve ser incrivelmente e fodasticamente gostoso com ele.
— Selena! — Repreendeu Demetria. — Enlouqueceu?
— Que nada. Você é que ganhou a sorte grande e nem sabe. Sabe como é difícil arranjar um bom homem que faça um bom sexo hoje em dia? A maior parte deixa muito a desejar.
— Por amor de Deus. Nós estamos na praça de alimentação de um shopping. Esqueceu que isso é um local público?
— Ah Demetria, você é muito puritana. No outro dia na paragem de ónibus estavam dois rapazes que deviam ter seus 17 ou 18 anos a falar da maior suruba que houve numa festa do final de semana anterior. E falavam à frente das pobres senhoras de idade. Com detalhes! Aposto que elas aqueceram como nunca.
— Eu não acredito nisso. — Sussurrou olhando para os lados para ver se alguém ouvira. — E desde quando você teve que apanhar o ónibus?
— Desde que tive que ir ao stand pegar meu carro. — Disse como se fosse óbvio.
— Entendi. Mas de qualquer jeito, eu não quero que você construa histórias loucas na sua cabeça.
— Aposto que ainda vão se encontrar de novo, e se conhecer, e se dar bem, e viver uma linda história de amor, bem como você merece. — Falou sorrindo. Ela sabia o que estava dizendo e sabia que Demetria merecia. Demetria precisava se apaixonar.
— Selena, eu não tenho tempo para coisas idiotas como essa. Contos de fadas não existem e homens bons também não. São todos iguais e sempre acabam nos machucando no final. Além disso, eu tenho uma carreira pra cuidar. Uma carreira que só por acaso ainda nem começou.
— Demetria olha pra mim. — Pediu séria. — Nunca esquece o que eu te vou dizer agora. — Demetria esperou em silêncio. Quando Selena falava assim significava que era pra ser ouvida sem questionamentos. Não sabia como, mas o que ela dizia sempre acontecia. — Tem um homem nesse mundo que ainda vai fazer você mudar de ideia. Ele vai fazer você feliz como merece e você vai me dar razão. Você ainda vai se apaixonar. De novo!
Demetria nada disse. Apenas encarou a amiga que sorria para ela. Absorvia cada palavra que Selena dissera e perguntava-se se seria possível que aquilo fosse verdade. Mas não, não era. Os homens eram todos iguais e isso dificilmente iria mudar. Ela sabia disso.

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